quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Everest 2014 - A temporada sombria

Embarquei no dia 03 de abril com destino á Kathmandu com meus companheiros e amigos Carlos Santalena e Eduardo Sartor Filho, ambos sócios da empresa Grade6 onde trabalho como guia/instrutor de montanhismo e escalada. Iríamos guiar um grupo de 12 brasileiros com roteiros distintos no Himalaia, alguns iriam até ao Acampamento Base do Everest (5.350 mts), outros iriam escalar o Island Peak (6.189 mts) e um cliente tentaria o cume (8.848 mts) junto com Carlos.

Nossa jornada se inicia em Guarulhos onde voamos até Doha no Qatar, esse vôo tem duração de aproximadamente 14 longas horas, de lá pegamos outro vôo para Kathmandu, a capital do Nepal. Contando todas as horas entre vôos e tempo de espera em aeroportos a viagem contabiliza aproximadamente 25 horas, uma imensa jornada para alcançarmos o continente Asiático!

Coca Cola no aeroporto de Doha
Chegar em Kathmandu é um choque cultural, o trânsito é caótico, as religiões são totalmente diferentes dos padrões que estamos acostumados no Brasil, o clima é seco, mas era muito bom finalmente estar no Nepal. A ideia era ficar alguns dias em Kathmandu, recepcionar os clientes e embarcar em um vôo interno para Lukla no dia 08. Nos hospedamos no bairro do Thamel, um grande centro comercial, com ruas estreitas e a loucura de sempre. No primeiro dia do roteiro visitamos o principal templo hinduísta e budista no Nepal, á tarde passamos nas lojas de montanha para acertar o resto do equipamento de nossa viagem.



Acordamos bem cedo no outro dia, por volta das 04:00 da manhã, tomamos um breve café da manhã e fomos para o Aeroporto, nosso destino era a pequena pista de pouso em Lukla (2.840 mts), esse vôo tem duração de 45 minutos. Depois de uma turbulência sinistra chegamos ao nosso destino. No mesmo dia caminhamos por 3 horas até atingir o vilarejo de Phakding (2680 mts), lá descansamos e dormimos essa noite.
Pista de pouso do Aeroporto de Lukla

Phakding
Na manhã do dia seguinte um belo café da manhã ao som do Rio Dudh Kosi, que significa “rio de leite” por causa de sua aparência esbranquiçada, partimos para Namche Bazaar (3.440 mts) a capital Sherpa. Essa trilha possui subidas e pontes tibetanas que realçam cada vez mais a beleza e relevo do local. Foi exatamente nessa trilha que eu comecei a sentir a energia que esse trekking tem, não é algo que consiga descrever em palavras, mas você se sente ‘’abençoado’’ por poder estar naquele lugar tão belo e imponente ao mesmo tempo. O povo Sherpa tem um encanto próprio, nunca estão de cara fechada, sempre te recebem com muita generosidade e felicidade, temos muito o que aprender com eles...
Após 5h de subida chegamos em Namche, a vista é realmente impressionante, uma verdade ‘’cidade’’ construída na encosta de uma montanha, se tornando o maior centro comercial e administrativo de todo o vale do Khumbu. Em Namche dormimos 2 noites, sendo que no segundo dia vamos até Syanboche (3.800 mts) para uma melhor adaptação do nosso corpo à altitude, é de lá que temos a primeira vista do Everest, não da montanha toda, mas apenas um ponta negra que se sobressai com sua ‘’fumaça’’ sempre no topo.

Chá com vista para o Ama Dablan e Everst
Everest á esquerda

Zoom no teto do mundo

Ama Dablan

De Namche partimos para Tengboche (3.867 mts), lá está o maior monastério budista do Khumbu, um lugar realmente mágico, todos tem a oportunidade de assistir uma cerimônia com os monges. Deste ponto a temporada já se mostrava bem nevada, em todos os dias nevava no final da tarde até de noite! Uma dica é comer um doce de maçã na famosa Bakery de Tengboche, simplesmente maravilhoso. Pernoitamos em Tengboche e logo cedo fomos para Pangboche (4.000 mts) visitar o Lama Geshe, um dos mais importantes monges budistas do Nepal, o obejtivo era receber uma benção para iniciarmos nossa jornada nas montanhas. A maioria das expedições que almejam o cume passam por esse Lama, sua casa é tomada por fotos de cume com uma carta escrita por ele nas mãos dos escaladores. Devidamente abençoados e com nossas Khatas (pedaço de seda que envolve o pescoço, serve para dar boa sorte) partimos para nosso destino do dia: Pheriche (4.200 mts). Este novo vilarejo se mostra totalmente diferente de Tengboche, um fica em cima de uma montanha e Pheriche fica em uma longa planície. No programa temos 2 noites também, subimos um pedaço de uma montanha chamada Nargajum Peak com mais de cinco mil metros, chegamos até 4.800 e descemos, isso serve como um dia de aclimatação, tendo em vista que dormimos a 4.200 mts.

Templo em Tengboche

Pheriche

Abençoados em Pangboche

Tengboche


Depois de dois dias em Pheriche partimos para Lobuche (4.900 mts), todas as caminhadas não são fáceis, quem já esteve em altitude sabe que qualquer subida pode se tornar um obstáculo, depois dos 5.000 metros então as coisas se agravam. Todos os participantes chegaram bem cansados em Lobuche, uma devida noite de sono e no outro dia partiríamos para o Everest Base Camp (EBC) . Nosso plano era sair bem cedo, almoçamos em Gorak Shep (5.100 mts) e logo partimos para o EBC, depois de horas caminhando com o glaciar do Khumbu á nossa direita, finalmente conseguimos avistar o ‘’fim da linha’’, digo isso pois para passar do outro lado do vale (China) apenas subindo uma montanha de 7.000 metros, sendo assim, a trilha realmente acaba no EBC.

Ao chegar no marco do EBC a emoção toma conta de todos, ter a oportunidade de estar lá é algo único, com uma nova logística, nosso planos mudaram de dormir 2 noites em Gorak Shep para 2 noites no EBC, claro que todos adoraram! Para se ter ideia da imensidão do EBC, do marco (entrada) até nosso acampamento caminhamos por volta de 40 minutos! A estrutura das expedições é algo difícil de se acreditar, internet, padaria, camas e aquecedores á gás são só alguns exemplos. Até esse momento conhecemos os 4 principais sherpas de nossa expedição: Joshi (líder), Jangbu Sherpa, Wanda Sherpa e Tsering Sherpa. Ao chegar à nosso acampamento conhecemos o resto da equipe, composta por sherpas, auxilares e cozinheiros. A hospitalidade e disposição desse povo realmente me impressionou, eles não sabem o que fazer para te deixar mais comfortável e feliz, algo muito difícil de encontrar nos dias de hoje.

Como disse anteriormente nosso plano era passar duas noites no EBC e realmente dormir lá é um privilégio, em sua grande maioria, os trekkers não dormem lá, apenas chegam ao marco e voltam para Gorak Shep. Nosso grupo teve essa oportunidade, acompanhar o ínicio de uma expedição á maior montanha do mundo é espetacular, o Everest que em nepalês é chamado de Sagarmatha (rosto do céu) e em tibetano Chomolangma ou Qomolangma (mãe do universo). Dormir no EBC é simplesmente alucinante, além de ouvir avalanches caindo o tempo todo, o gelo em que dormimos em cima trinca e estala durante a noite, misturando uma sensação de medo com excitação. Nesses dois dias me conectei muito com os sherpas, além de dar atenção para nossos clientes, a todo momento eu visitava a barraca cozinha para passar mais tempo com esse maravilhoso povo, todos se chamam de Dhai (irmão mais velho) e Bhai (irmão mais novo). E realmente eles nos tratam como irmãos, todos ficavam repetindo que tínhamos a mesma profissão (Guia de montanha/Escalada) sem a arrogância de serem melhores ou piores que nós Brasileiros, um exemplo de companheirismo.
Andar pelo EBC também se torna uma tarefa árdua e bela para os trekkers, a extensão do Glaciar do Khumbu é de encher os olhos. Nosso cardápio era farto e suculento, contando com comidas frescas e nossos tradicionais chás. Após esses maravilhosos dias voltamos para Lobuche e dormimos lá.

Lobuche com Nuptse ao fundo.

Marco do Everest Base Camp

Nuptse e Everest ao fundo

Admirado com a imensidão do Everest


Café da manhã no Everest Base Camp

Everest Base Camp



Com uma boa noite de sono, acordamos no outro dia para uma das piores manhãs de minha vida, estava tomando meu café da manhã com os clientes quando ouvi um boato de avalanche. Logo que sai para o lado de fora do lodge vi todos nossos sherpas reunidos e apreensivos com o rádio, rapidamente perguntei para o Carlos e o Eduardo o que estava acontecendo. Prontamente eles me responderam com os olhos marejados que havia caído uma avalanche imensa entre o acampamento base e um, aparentemente haviam 13  desaparecidos mas ninguém afirmava a morte. Esse trecho conhecido como Cascata do Khumbu é de longe a parte mais perigosa da escalada ao Monte Everest, além de blocos soltos que variam de tamanhos, avalanches são comuns em determinados horários do dia. Escadas de alumínio amarradas uma nas outras, cordas fixas e gretas que parecem infinitas fazem parte desse ambiente que amedronta a maioria dos escaladores.

Com essa notícia minha primeira reação foi avisar minha famíla, em todas as expedições da Grade6 contamos com um telefone via satélite garantindo assim mais segurança em nossas viagens, liguei rapidamente para minha mãe e esposa já soluçando e tentando não chorar, o que acabou acontecendo... Minha grande preocupação era o que a mídia iria divulgar, exemplo: ‘’ Avalanche cai no Everest e mata 16 pessoas’’. Com uma trágica notícia dessa qualquer pessoa se desespera, mesmo sabendo que o familiar não esteja escalando o Everest.

Com a família avisada era hora de conversar com clientes, avisamos á todos que uma avalanche havia caído há poucas horas e que 13 sherpas (até aquele momento) estavam desaparecidos, isso nos obrigou a esperar por algumas horas em Lobuche afim de recebermos mais notícias pelo rádio. Alguns minutos depois foi confirmada a morte de 3 sherpas de nossa expedição, 2 guias e um cozinheiro que seguiam para montar o Campo 1. Foi nesse momento que todos se desesperaram e caíram em prantos, a tristeza tomou conta de Lobuche... Eu, Carlos e Eduardo já estávamos chorando há muito tempo, pois para uma avalanche pegar 13 sherpas pequena é que não foi. Até esse momento todos os sherpas se mostraram fortes e não deixaram cair uma lágrima, mas com a confirmação de 3 sherpas de sua equipe ninguém resistiu, uma manhã que luto para esquecer... Fiquei extremamente emocionado, eu tinha conhecido aqueles sherpas e convivido com eles por apenas 2 dias, mas o sentimento de irmandade e cumplicidade era enorme, afinal de contas eram todos meus Dhais (irmãos mais velhos). Confesso que olhar aqueles sherpas chorando desesperadamente foi agoniante, os homens mais fortes das montanhas totalmente devastados...

Todos nossos planos mudaram, Carlos subiu com seu cliente de volta para o Base Camp com mais 3 sherpas, o que era minha vontade, voltar ao base camp e ajudar os sherpas... nem que seja servindo chá ou prestando os primeiros socorros, minha vontade era subir... Mas essa não era a realidade, eu tinha um grupo de 4 pessoas que dependiam do meu trabalho, ainda tínhamos mais 8 dias pela frente para cruzar o Vale do Khumbu e chegar até o Vale de Gokyo. Claro que o dever falou mais alto e descemos até Dzongla (4.845 mts), não consegui pronunciar muitas palavras na trilha, estava realmente fragilizado... Chegando ao nosso destino me desculpei com meus clientes por esse comportamento pois todos contavam comigo e eu realmente não estava bem. Acordamos na madrugada do nosso 13º dia nas montanhas para tentar cruzar o Cho La Pass (5420 mts) mas infelizmente na casa do 5100 metros uma das clientes passou mal e tivemos que abortar nossa tentativa, descemos no mesmo dia para Pheriche. Levei essa cliente ao posto médico e logo estávamos no Lodge, com acesso à internet era hora de mandar notícias para o Brasil, foi nesse momento que fiquei sabendo que o número de mortos chegara á 16, todos sherpas, nenhum estrangeiro...
Cholatse ao fundo


De Pheriche descemos para Namche onde aguardamos alguns dias para o que o grupo do Eduardo nos encontrasse e desceríamos todos juntos até Lukla para finalmente voltar para Kathmandu. Com alguns dias em Namche realmente me apaixonei pelo lugar e fiz algumas amizades que pretendo preservar futuramente. Depois de alguns dias o grupo do Eduardo retornou do Island Peak e se juntou conosco em Namche, até esse momento a Expedição guiada pelo Carlos Santalena estava sem rumo, pois o sherpas fizeram uma reivindicação por melhores condições e direitos ao governo Nepalês.
Finalmente descemos de Namche para Lukla depois de 16 dias no Himalaia, o plano era voar no dia seguinte, dia 25 de abril. No último dia fizemos uma grande celebração em Lukla, além de ser aniversário do Eduardo, já virou um ritual todos pagarmos uma bela refeição aos nossos bravos carregadores... Quando perguntamos o que eles gostariam de comer, todos esperando uma resposta como hambúrguer, pizza ou qualquer outra comida ocidental. Fomos surpreendidos com a escolha: Dalbat (comida típica Nepalesa, composta por arroz e lentilha) e como acompanhamento um Chicken Curry (ensopado de frango com curry), tudo muito apimentado. Outro fato que marcou nossa noite foi todos comerem no Nepali Style, isso porque eles não usam talheres e assim foi a maioria dos clientes aderiu a ideia e tivemos um dos melhores jantares de toda trilha, juntos!

Pub em Namche



Acordamos bem cedo no dia 25 e fomos para o aeroporto, teria que enfrentar novamente o temido vôo de Lukla. Entrei no pequeno avião com capacidade para 13 pessoas e seguimos viagem, a volta foi bem mais tranquila que a ida, sem maiores turbulências. Depois de 45 minutos de vôo aterrisamos no caos de Kathmandu mais uma vez, nos hospedamos em nosso tradicional hotel e fomos descansar para mais tarde irmos ás compras. Nesse mesmo dia recebemos a notícia que todas as expedições comerciais haviam sido canceladas, na verdade o ministro do Nepal foi até o EBC e disse que os sherpas poderiam escolher em trabalhar ou não trabalhar nesta temporada, todos se recusaram, algum ocidental subiria em estilo alpino? Acho que não.... 

No dia 26 acordei tarde e fui tomar café, ao terminar minha refeição o Carlos entra pela saguão do hotel, com cara de cansado me disse que tinha voado do EBC direto para Kathmandu, finalmente estávamos os 3 juntos novamente. Após 2 dias em Kathmandu embarcamos no dia 28 para nosso vôo até Doha e de lá São Paulo. Depois de praticamente 1 mês no Nepal consegui finalmente abraçar meus familiares, esposa e amigos, foi de longe uma viagem onde vivemos as emoções de 1 ano em 30 dias. Para quem quiser mais informações para realizar o trekking acesse: www.grade6viagens.com.br

Conclusão
Uma tragédia como essa nos ensina muita coisa, nos deixa apreensivo, com medo, mas principalmente nos deixa mais fortes. Volto do Himalaia um novo homem, com novos aprendizados, mais experiente e principalmente muito mais humilde. Essa foi a grande lição que tive dos sherpas, eles não se auto-intitulam heróis, pelo contrário são pessoas simples por quem realmente adquiri um respeito enorme.

Por que tantos sherpas morreram?
Existem alguns fatores que levaram à esse triste fim, a primeira foi a quebra de uma das escadas da Cascata do Khumbu, fazendo com os sherpas se afunilassem. Segunda, pelo que foi comentado usaram a mesma rota do ano passado, passando pelo lado esquerdo da cascata, o ideal é sempre ir pelo meio evitando assim a parte mais perigosa desse imenso ‘’corredor’’ vertical. Terceiro, avalanches são comuns nesse trecho da Cascata, mas sempre em horários mais quentes, como meio dia, essa avalanche acabou caindo ás 6:40 da manhã, surpreendendo á todos.

Quanto vale a vida de um Sherpa?
Logo após a tragédia um americano escreveu um texto com essa pergunta, e realmente quanto vale? O governo do Nepal ofereceu inicialmente uma quantia de 400 dólares para cada família que teve seu sherpa morto, esse foi o grande motivo da paralisação sherpa, 400 dólares? Cada escalador paga um pérmit (permissão para escalar) de aproximadamente 10.000 dólares, isso multiplicado por 500 escaladores que era a média desse ano....
Até que ponto uma pessoa que tenta o Everest é realmente um escalador? Não estou aqui para julgar ninguém, mas criou-se um ‘’estilo de escalada’’ no himalaia onde sem os sherpas ninguém escala. Mas porque? Seria falta de capacidade dos escaladores? Depedência extrema dos sherpas? Mas imagine só se todas as expedições fossem em estilo alpino, o que seria do trabalho sherpa?
Cada um tem sua opnião e crença, todos os anos as polêmicas em cima do Everest tomam os jornais e sites de montanhismo. No McKinley por exemplo você é obrigado a carregar seu equipamento, montar sua barraca, derreter neve, etc... No extremo oposto temos o Everest, que conta com carregadores, 1 sherpa para cada escalador, cordas fixas, cozinheiros, etc... São várias os relatos de ‘’escaladores’’ que foram á maior montanha do mundo e não sabiam conectar o ascensor na corda, sherpas esquentando sacos de dormir, levando comida na barraca, passando a cascata de helipóctero, etc.... Qual seria a solução? Dividir o risco com os escaladores que pagaram pela expedição? Fazer com que todos ajudem a montar os acampamentos altos juntos, carregando peso também?  Teria de existir um critério técnico para escalar o Everest, exemplo, fazer um 8000 antes?
Todas essas perguntas dividem opniões e novamente não estou aqui para questionar um estilo. O que vi e vivi é que a vida de um sherpa não tem preço, aliás a de nenhum ser vivo. Vi também muita falta de humanismo, falta de sensibilidade... Morreram 16 sherpas? E daí, quero subir, quero meu cume! Tenho plena convicção que não são os escaladores que sobem as montanhas, e sim as montanhas que permitem ser subidas, e esse ano o Everest não queria ser escalado pela face sul, matando 16 de seus próprios ‘’filhos’’.
Obrigado à todos os amigos e familiares que torceram, sofreram e viveram mesmo que de longe a magia do Everest. Um agradecimento especial à empresa Grade6 que confia em meu trabalho e viabilizou essa experiência magnífica.

Distribuindo presentes para as crianças

Essse texto é dedicado á todos os sherpas mortos nessa temporada sombria de 2014, especialmente aos 3 sherpas que tive o prazer de conviver por um curto período de tempo, que Chomolangma os abrace e olhem por nós aí de cima. Namastê!

Para os verdadeiros heróis:
·         Ankaji Sherpa
·         Tenzing Sherpa
·         Asman Gurung



Boas Escaladas!

Lucas Sato

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Conquista de mais duas vias em Andradas/MG

Não é novidade que o bairro do Pântano localizado na pacata cidade de Andradas/MG tem se tornado um lugar muito apreciado por mim. Confesso que demorei a conhecer as escaladas em Andradas, sempre atolado no trabalho e com finais de semana cheios de compromisso me arrependo pois deveria ter ido antes. Da primeira vez que fui foi ''amor ao primeiro camalot'', isso porque o estilo de escalada de Andradas me atrai muito, vias longas, uso de proteções móveis, qualidade da rocha, etc... Nessas idas e vindas acabei conhecendo e gostando muito do pessoal do Abrigo Pântano (www.abrigopantano.com.br), lugar calmo de gente pacata e amigável, o abrigo acabou se tornando uma extensão da minha própria casa, se não estou trabalhando ou com minha família, estou no abrigo. Ainda acho que deveria ir mais, mas com guiadas, cursos e compromissos familiares meus finais de semana são super programados.

Trilha para a Pedra do Pântano
No mês de agosto, em duas investidas na Pedra do Pântano acabamos por conquistar duas vias no setor Campo Escola, a primeira linha era projeto do ano passado, ao descer da conquista da via Tico Marrento, eu e Jacaré avistamos essa linha que deveria proporcionar uma via esportiva. Com os planos em mente faltava parceiro pois o Jacaré estava trabalhando na África, convidei o Cristian, amigo de longa data e figuraça da turma da Grade6. Carregamos o carro e depois de algumas horas estávamos na base da via.

Batendo a primeira chapa da ''Pra quem é ta bom''
Decidi por começar a conquista, logo coloquei um cliff de agarra e subi nos estribos, nesse ponto resolvi bater uma chapeleta, como nossa furadeira ainda não tinha chegado, abrimos as 4 primeiras proteções fixas no batedor mesmo, em uma média de 20 minutos por furo. Depois disso coloquei um camalot .3, que mais tarde seria substituído por um stopper BD 9, nesse ponto bati um furo de cliff para bater a segunda chapa mais acima. Depois de mais um bom tempo pendurado nesse cliff a segunda chapa estava batida, era hora de descer, hidratar e comer. Logo após o Cristian assumiu a ponta da corda e bateu mais um buraco de cliff e mais uma chapa, ele desceu e eu assumi a conquista novamente. Desse ponto saí em livre e protegi com um camalot .5 em uma grande laca de pedra, depois de mais 2 metros estava acima desse platô batendo a 4a chapa. Já estava ficando tarde e precisei bater essa chapa bem rápido, deixei um cordelete de abandono e logo estava no chão, ali era a metade da via.


5a proteção da '' Pra quem é ta bom''
Voltamos no outro final de semana, munidos agora de nossa tão esperada furadeira, com ajuda dos cliffs, logo estava na parte onde havíamos parado, assim segui com meus estribos para bater a 5a chapa. Pisando alto fui testar a furadeira que se mostrou leve e potente, combinação mais que perfeita para qualquer conquistador. Nesse ponto optamos por deixar a via bem protegida, qualquer queda poderia chegar no plato... Bati a 5a e a 6a chapa e logo o Cris assumiu a ponta, saindo em livre ele bateu a 7a proteção e tocou para a parada, com minha segurança pronta escalei o final de nossa via, muito legal e técnica.
Batizamos a via de ''Pra quem é ta bom'' e achamos que a graduação será em torno de 6 sup, ao rapelar a via ainda pilhei o Cris e acabamos conquistando mais uma linha na parte de baixo. Uma via curta de ''agarrência'' que acompanha a parte direita da parede. Essa outra batizamos de '' #Capai memo'', bordão exaustivamente recitado por todos da Grade 6, risos... Acreditamos que a graduação gire em torno do 4 sup, chegando em uma das paradas do Jacaré.

Primeira chapa da #Capai Memo
Tudo isso foi apenas o sábado de nosso final de semana, com uma boa macarronada e uma longa noite de sono no domingo programamos a repetição da via Tico Marrento, uma dura linha que conquistei com o Jacaré em novembro. Com nossas luvas de fenda devidamente colocadas lá fui eu me entalar na grande fenda, logo na saída protegi com uma camalot .75, entalei a mão esquerda e ganhei um pouco mais de altura e protegi dessa vez com um camalot 4. Continuei me arrastando pela fenda até proteger com um camalot 5, mais um pouco e tentei colocar o 6 que não ficou muito bom, nessa parte você chega a uma pedra entalada, usa ela como agarra e finalmente sai desse aperto, ufa! Logo acima coloque 2 camalots pequenos (.3 e .4) e toque pela face, atenção nesse lance, dependendo de onde estiver uma queda pode dar chão. Ao chegar na base de uma pequena árvore é possível montar uma parada móvel com 2 camalots (2 e 3), use fitas longas. De lá fiz a seg do Cris e logo estávamos juntos na P1 Opcional, toquei o resto da chaminé e rapidamente estava na parada. Nos reunimos e comemoramos o que achamos ser a primeira repetição da Tico Marrento.

Saída da Tico Marrento


Camalot 6 na chaminé da Tico Marrento



Descemos e logo estávamos no abrigo almoçando a comida da Nice, terminamos o final de semana com um saldo super positivo, 2 vias conquistadas e um ''first ascent'', risos.
Obrigado ao Cris pela parceria e confiança. E esse final de semana tem mais Andradas, lá vamos nós para o Pântano, escalar, desfrutar, prosear com a Nice, etc.






Abaixo os vídeos das escaladas.





Croquis:








Agradecimentos:

Abrigo Pântano
Spyffer Rock Shoes



quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Sapatilhas Spyffer

Quando comecei a escalar em 2006 não fazia ideia da imensidão desse mundo, tanto em estilos como em lugares. Mas uma coisa se destacava, a diversidade de equipamentos. Sempre fui curioso e deslumbrado com a variedade e principalmente evolução dos equipamentos de escalada, desde que comecei a escalar surgiram tantas tecnologias que muitas vezes me pego perguntando.... O que mais vão inventar???
Infelizmente o Brasil não é um destaque quando falamos em desenvolvimento e lançamento de novos equipamentos para escalada, temos ótimos fabricantes em nosso país, mas o investimento e principalmente incentivo no exterior é muito maior.
Falarei de um equipamento específico neste post, a sapatilha de escalada! Muitos clientes me perguntam, qual a melhor? Tem que ficar apertada? De cadarço ou de velcro?
Minha resposta é sempre uma... depende.... mas porque depende?
A escolha da sapatilha de escalada vai depender de vários fatores:

  1. Estilo ou modalidade de escalada que você pratica ou irá praticar, um escalador tradicional jamais usará uma sapatilha apertada ou curva demais, pois geralmente ele passa horas com ela no pé.
  2. Forma ou formato do seu pé, podemos ter a mesma numeração, mas nunca o mesmo formato de pé, alguns tem os pés mais largos, outros mais finos.
  3. Laceamento, as sapatilhas de escalada, assim como os tênis, se adaptam ao pé do usuário. Sempre pense que ao usar o calçado de escalada a tendência é ele moldar ao seu pé, quanto mais usar, mais confortável vai ficar.
  4. Velcro, cadarço ou elástico? Uma questão que envolve, uso, estilo e modalidade. Por questões lógicas, o velcro e elástico irão gastar com o passar do tempo, mas são mais simples na hora de tirar e colocar. Atualmente eu prefiro o cadarço, tendo em vista que a regulagem é mais eficaz e não fico tirando e colocando a sapatilha toda hora.
Pensando em tudo isso com meu estilo de escalada já definido (Tradicional e Big Wall) fui atrás de uma sapatilha nacional que atendesse minha expectativa. Infelizmente não achei nenhuma, tentei as importadas, achei alguns modelos, nenhum era revendido no Brasil. O que fazer então?
Foi nesse instante que viajando pela internet achei o Marco Piffer, fabricante de sapatilhas nacionais. Imediatamente entrei em contato com ele solicitando a minha sapatilha, para vias longas, acabamos por fechar uma parceria e hoje ele me apóia com suas sapatilhas.



Após algumas conversas decidimos criar uma sapatilha que atenda as necessidades de um escalador de parede, sendo confortável e precisa ao mesmo tempo. Marco a batizou de Salinas, em homenagem á esse imenso trad point localizado em Nova Friburgo - RJ, lugar considerado o berço das grandes vias no Brasil.
Essa sapatilha teria um cano mais alto que as comuns, garantindo assim mais estabilidade e proteção para as fendas, com cadarço e um ''shape'' mais plano, garantindo assim o conforto. 
Marco prontamente fabricou a sapatilha em apenas alguns dias, rapidamente estava comigo para testes. É importante ressaltar que as sapatilhas Spyffer são feitas artesanalmente, isso quer dizer que desde a fabricação da borracha até as costuras são feitas em um processo manual, valorizando assim mais o calçado. 
A borracha da sapatilha não deixa nada a desejar em comparação com a Vibram ou C4, eu inclusive a achei mais aderente do que a maioria das borrachas das sapatilhas nacionais.



Realizei alguns testes com o modelo Salinas e o resultado foi surpreendente, de longe a melhor sapatilha nacional. Estou utilizando-a tanto na rocha quanto no muro, 100% de satisfação.








Outro ponto á  se destacar é a abertura que o Marco tem com os clientes, solicitei a sapatilha do meu ''jeito'' e ele prontamente disse que poderia fabricar, um ponto muito positivo á favor dos escaladores. Tenho certeza que em grandes marcas essa flexibilidade não existiria.
Então se você é escalador de parede, longas vias e quer uma sapatilha à um preço justo e com qualidade opte pela Salinas!

Agradecimentos: Spyffer Rock Shoes


Abraços e Boas Escaladas







terça-feira, 24 de junho de 2014

Los Arenales 2013 - 2014 Parte 02

Continuando....

Além das montanhas sempre presentes em meu dia a dia o grande barato de viajar é conhecer gente nova, nessa viagem conheci e fiz muitos amigos, companheiros de montanha... Uma galera gente finíssima do Paraná e Santa Catarina, e um casal de amigos com quem escalei a próxima Agulha. A Carlos Daniel!

Com um dia de tentativa frustada para achar a via nessa agulha, voltei no dia seguinte com Marcella, Bruno (Cabeça) e Mônica, mal sabíamos o que aconteceria nas seguintes horas.... um dos piores perrengues que vivi na escalada. Iniciei a guiada na via Carlos Daniel, via que recebe o mesmo nome da agulha, cotada em 6A FR, primeira enfiada linda, com fendas largas... Para a P2 fui na frente de novo e rapidamente as peças foram se esgotando do rack, felizmente a parada estava alguns metros acima.
A próxima enfiada não era difícil, mas depois de 20 metros eu simplesmente não vi a parada a minha esquerda e toquei para direita em uma chaminé de rocha podre! Eu realmente achava que estava certo, pois tinha pegado um beta com um argentino e ele falava de uma chaminé.... Bom fui escalando nessa chaminé podre, onde as proteções eram escassas e as pedras soltas abundantes, Até que em um ponto a corda acabou.... pensei comigo mesmo... fu###, lacei um bico de pedra duvidoso e instalei um camalot 5. Que parada horrível, nem eu estava pendurado nela, falei pra Marcella subir mas ela não quis... Ainda bem... Cabeça insistia para eu abandonar um nut e rapelar, mas era tudo podre e solto, não tinha rapelar... Só me sobrou uma opção, desescalar.
Quando olhei para baixo fui perceber que minha ultima proteção era um camalot 3 15 metros abaixo, em uma fenda podre, abaixo dele um camalot 1 mais ou menos... Resumindo uma queda de pelo menos 30 metros... Tentei me acalmar e fui desescalando esse trecho podre, que agonia... depois de alguns minutos Cabeça me esperava na parada certa. Ufa, tudo certo! Agora era só dar segurança para as meninas e continuarmos a escalada.
Ao chegar na parada as meninas estavam assustadas, e realmente foi tenso! Optamos por descer dali mesmo eu e a Marcella, Cabeça e Mônica continuaram parede acima... Seguros no chão, esperamos pelo casal amigo e voltamos para o refúgio, era ano novo!
Com a champagne no rio para gelar a noite foi regada de muita pizza de fogareiro e risadas com os novos amigos.

Refúgio lotado de brasileiros

Trilha para a Agulha Carlos Daniel

Guiando a primeira enfiada da Carlos Daniel



Mônica na base

Pizza!

Fomos dormir cedo, eu estava exausto... No outro dia levantamos cedo pois o Yagua ia nos buscar, tivemos que desmontar o acampamento e montar as mochilas. Nos despedimos de todos e descemos para nossa maratona até Santiago. Após horas de espera na rodoviária de Mendoza, embarcamos para Santiago, depois de 8 horas chegaríamos na capital chilena. Era de manhã, fizemos check in no hotel ao lado da rodoviária e fomos descansar. Acordamos e fomos almoçar, um deliciosos banquete com sucos naturais, afinal depois de 10 dias acampados, nós merecíamos.... A volta para o Brasil foi uma novela a parte, mas essa história fica para outra vez. Agradecemos nosso amigo chinelo Ricardo Soto por nos receber me sua casa.





Para quem quiser informações sobre o lugar bem como dicas é só entrar em contato comigo.

Ah para o próximo texto pode ser que venha Everest, mas ainda não sei...

Abraços e boas escaladas.