sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Curso de Escalada em Gelo Bolívia - Julho 2013 - Grade 6 Viagens

Em junho recebi uma ligação do Eduardo Sartor Filho com um convite tentador, realizar o curso de Escalada em Gelo e depois partir para uma expedição ao Huyana Potosi, ambos na Bolívia.
A ideia era a Grade 6 Viagens (empresa onde trabalho como guia e instrutor de escalada e montanhismo) me capacitar para atuar na neve, gelo e glaciares também. Aceitei o convite prontamente e no dia 05 de Julho estávamos embarcando para La Paz. Depois de algumas horas de voo chegávamos no aeroporto de La Paz. Como desembarcamos de noite não deu para ver as montanhas que cercam a cidade, fizemos check in no hotel, jantamos e tivemos uma boa noite de sono. 


Nevado Illimani visto do mirador

No dia seguinte tínhamos a parte da manhã para comprar e alugar o resto dos equipamentos, à tarde partimos para a zona sul de La Paz para realizarmos práticas de auto resgate em corda. O curso começa ali, com uma bela aula de ascensão em corda fixa em um conglomerado rochoso muito peculiar de aproximadamente 15 metros.



É ensinando que se aprende


Conglomerado na Zona Sul de La Paz

Realizada a prática  voltamos para o hotel e descansamos para o próximo dia. Acordamos no dia seguinte cedo para irmos até o vale do Condoriri, pegamos o transfer e depois de 2 horas alcançaríamos o nosso destino. 

Huyana Potosi ao fundo


Chegamos ao início da trilha para o campo base do Condoriri, a caminhada como em toda alta montanha foi bem lenta, nossa carga principal foi levada pelas mulas, a trilha percorre um lindo cenário por um grande vale e lagos.

Grupo no início da trilha para o Campo Base do Condoriri

A caminhada até o Base camp foi bem tranquila, levamos cerca de 2 horas e meia, ao chegar fomos recepcionados com um belo lanche e as mulas com o resto da carga chegaram logo depois. Nesse ponto tive uma dor de cabeça, por efeito da própria altitude em que estávamos (4750 mts), até esse ponto nunca tinha passados da casa dos 2000 - 3000 mts de altitude que encontramos no Brasil, tomei um belo chá de coca e me hidratei bem, em algumas horas estava bem.


Campo Base do Condoriri

Acordamos no nosso quarto dia de curso, esse dia é muito importante, pois não nos exercitamos muito, a parte teórica é passada com tópicos como: 


  • Aclimatação
  • Sistema de camadas
  • Equipamentos individuais e coletivos
  • Glaciares
  • Ancoragens em neve e gelo
Aula teórica dentro da barraca refeitório


No nosso quinto dia de curso acordamos bem cedo e tomamos nosso tradicional café da manhã, que por sinal eram sempre espetaculares, e falando em refeições e comidas, impossível não lembrar de nossa barraca refeitório, que em vez de refeições, tínhamos banquetes como trutas, pizzas, sopas, saladas.... Realmente a estrutura que temos na Bolívia é única e exclusiva! 
Voltando à montanha, nesse dia realizamos uma caminhada até o Glaciar da Cabeça do Condor (maior montanha da região). Já saímos do campo base com as botas duplas e chegando no glaciar colocaríamos os Crampons. Era minha primeira vez com esses equipamentos, confesso que tinha imagem de ser mais complexo, na hora fluiu tudo muito bem e acabei até gostando de caminhar com a bota dupla. 
Subimos todos por uma grande parte de neve fofa, o que cansou um pouco o grupo, até alcançarmos uma gruta de gelo, lugar fantástico, parece que tudo vai desmoronar em cima de você... A ideia desse dia é todos aprenderem a usar os crampos e piqueta em diversas situações. 
De volta ao nosso campo base era hora de jantar e jogar conversa fora...


Lucas e Alexandre na caminhada para o Glaciar do Cabeça do Condor

Dani e Ana dentro da caverna de Gelo no Glaciar

Práticas de gelo no Glaciar da Cabeça do Condor
Acordamos cedo no sexto dia curso, agora iríamos mudar de glaciar, dessa vez nosso destino era o Glaciar do Tarija, montanha que escalaríamos alguns dias depois. Mais uma vez nosso foco foi aprender a ''cramponar'' bem, e assim ficamos a manhã inteira, andando de uma lado para o outro. Após nosso lanche subimos um pouco mais e montamos algumas cordas para descida no lado esquerdo do glaciar, nossa meta agora era aprender a instalar uma ancoragem com parafusos e fazer o abalakov (método para não deixar o parafuso na parede ao rapelar). Cramponamos mais um pouco dessa vez de frente e depois partimos para uma escalada técnica em gelo. Subi antes com o Osvaldo para montar as ancoragens dessa prática, rapelamos e começamos a escalar com duas piquetas técnicas, gostei muito desse estilo de escalada pelas suas características. Depois disso voltamos ao campo base para mais uma noite na montanha.


Lado esquerdo do Glaciar do Tarija, local onde praticamos a escalada técnica.

Descendo para as práticas de ancoragem.


Montando as ancoragens do top junto com Osvaldo.

Escalando com 2 piquetas técnicas, que delícia!
Exata uma semana desde a saída do Brasil era hora de praticar a retenção de queda, subíamos assegurados pelos guias bolivianos e depois praticamente nos jogávamos para deslizar pelo glaciar, o objetivo era aprender a travar sua descida, utilizando sua piqueta e crampons. Nas duas primeiras tentativas todos foram com corda, até que na última o Alex e Osvaldo tiraram a minha, como estava à trabalho, e a ideia era me capacitar, apenas eu realizei a prática sem corda de segurança, mas confesso que foi bem tranquilo...


Exercício de recuperação de queda.

Em nosso oitavo dia apenas descansamos... não existe nenhuma caminhada ou treinamento planejado, nesse dia pela tarde acabei passando um exercício de nós e voltas junto com uma prática de resgate em Greta. Descansaríamos porque na próxima madrugada iríamos atacar o cume do Tarija (5300mts).


Noite no Campo Base do Condoriri

Na madrugada do nosso nono dia acordamos, ou melhor, paramos de dormir na madrugada, por volta da 1h, nos hidratamos e comemos algo. Saímos caminhando, achei que ia estar muito mais frio mas a temperatura estava boa, deveria estar por volta -5 graus... Em menos de 1 hora estávamos na base do glaciar, nos encordamos e iniciamos a subida. Eu estava na cordada com o Osvaldo e o Renato, a subida de qualquer alta montanha é um jogo de paciência pois o cume não chega nunca! O jeito é colocar um pé na frente do outro sem esperar nada... Imprimimos um ritmo lento, porém constante, esse é o segredo, ir devagar mas sem ficar parando... Coloquei um chá com água fervendo em minha garrafa e acabei deixando para fora da mochila, quando estava há 200 metros do cume estava tudo congelado! Continuamos a subida e depois de aproximadamente 6 horas de caminhada chegávamos no cume, o meu primeiro gelado. Confesso que cansei mas cheguei bem, inteiro... Logo encontramos com o Eduardo Sartor, Alê e Jean que haviam alcançado o cume minutos atrás... 
Aproveitamos para comer algo, hidratar e logo ouvia a voz do Osvaldo falando para iniciarmos a descida pela col rochoso para iniciarmos a escalada no Pequeno Alpamayo. Entramos na cordada novamente e começamos a descer, logo no início o Renato acabou desistindo, sendo assim, descemos eu e Osvaldo e acabamos sendo os primeiros a começar a escalada.
Depois desse costão rochoso que na verdade desescalamos, caminhamos por uma lindo colo para alcançar a base do Pequeno Alpamayo, a grande diferença das duas montanhas é a inclinação, o Pequeno Alpamayo é muito mais inclinado que o Tarija, e isso acabou assustando a maioria dos participantes, de 12 clientes, apenas 2 atacaram o Alpamayo.
Iniciei a subida junto com Osvaldo, confesso que parei umas 3 vezes para descansar e tentar sentir minhas pernas que já estavam bem cansadas... e depois de muitas cramponadas.... CUME!!!
Realmente a escalada é linda, você percorre uma linda linha pela aresta da montanha, fui o primeiro do grupo a chegar no cume, que alegria... Antes da cordada do Dú chegar aproveitei para sacar fotos e fazer um vídeo dedicando o cume à minha família... Reunidos no cume (5400 mts) em uma mistura de Bolivianos e Brasileiros estávamos: Lucas, Eduardo, Jean, Alê (Brasil) e Osvaldo, Alex, Marco, Pacífico e Choco (Bolívia).
Todos se emocionaram muito com a conquista, muitos vídeos e fotos e depois descemos com auxílio de cordas fixas...


Cume do Tarija

Cume do Pequeno Alpamayo

Início da escalada do Pequeno Alpamayo

Foto na aresta do Pequeno Alpamayo

Brasileiros e Bolivianos no cume do Pequeno Alpamayo
Pequeno Alpamayo visto do cume do Tarija
Escaladores da aresta do Pequeno Alpamayo
Nosso grupo na aresta do Pequeno Alpamayo, eu sou o primeiro ponto amarelo

Descendo do cume do Pequeno Alpamayo
De volta à base do Pequeno Alpamayo, começamos a escalada pelo costão rochoso e em alguns minutos estávamos no cume do Tarija, me juntei com o Alê e Alex e iniciamos nossa descida. Senti muita dor no joelho na descida, desci em um ritmo muito lento, depois de algumas horas de descida estávamos no campo base novamente.


Descendo do Tarija, com o joelho doendo!
 Chegando ao campo base, todos comemos e nos hidratamos. Logo começou a arrumação das tralhas para a descida até La Paz, descemos a trilha bem rápido e após algumas horas estávamos no hotel. Um merecido banho (estava a 7 dias sem tomar banho) e depois um belo hambúrguer no Burger King. 
No outro dia descansaríamos em La Paz para partimos ao Huyana Potosi (6088 mts), mas esse relato ficará para a próxima...

Segue vídeo produzido pela Grade 6 Viagens:

http://www.youtube.com/watch?v=7FdJcY_le5w


Boas Escaladas...

Lucas Sato


quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Conquista da Via Tico Marrento - Pedra do Pântano - Andradas - MG

Na sexta feira (01/11/13) saí do trabalho e fui direto para o Abrigo do Pântano (www.abrigopantano.com) chegando por volta das 21:45. Lá encontrei-me com o Pedro Zeneti, vulgo Jacaré, conversamos um pouco e logo fomos arrumar as tralhas para a conquista que estava por vir no dia seguinte. Levamos 2 jogos de camalots, 1 jogo de stopper, 15 costuras, fitas, mosquetões, equipamento individual, 2 cordas, material de conquista, etc... subimos bem pesados, mas valeu a pena. A ideia era entrar em uma linha que o Jaca havia visualizado há algum tempo atrás, começava em um fenda e depois não conseguimos ver o que ainda estava por vir. Acordamos as 6h e logo subimos para a base, depois de alguns minutos de caminhada conseguimos ver a fenda e chegar a uma conclusão, deveríamos ter trazido o camalot 6 que tinha ficado no abrigo (ainda pegamos a peça na mão e resolvemos não trazer). Após uma breve conversa combinamos que o Jaca conquistaria os primeiros lances e depois eu assumiria a ponta da corda.


Lucas Sato começando a conquista dos últimos 15 metros

Optamos por começar a fenda em artificial, e lá foi o Jacaré, munido de estribos começar a batalha que ainda estava por vir. Depois de 3 passadas em um possível A2 (rocha quebradiça e molhada) ele chegou no provável crux da via, com o camalot 6 daria para proteger e até ‘’artificializar’’ o lance, depois de algumas tentativas em artificial em vão Jacaré resolveu sair em livre, e assim o fez muito bem!

Depois disso chega-se há um bom platô onde se consegue proteger com camalot´s .3 e .4, logo depois existem duas opções: Uma seguindo pela face com uma mistura de técnica de tesoura com agarras e outra seguindo pela canaleta (com mato e pequenas árvores), nesse lance não pode cair pois possivelmente chegará no chão. Escalando um pouco mais chega-se a um platô bom com excelente colocação do camalot 3, nesse ponto o Jaca montou uma parada móvel equalizando o camalot 3 e mais um camalot 2, que por acaso estava na fenda junto com 2 filhotes de pássaro ainda bem pequenos, só depois da parada montada conseguimos ouvir os gritos dos pequenos pássaros, felizmente nenhum deles se machucou, evite esse buraco então.
Parada móvel e Lucas na chaminé
Era minha vez de tentar, escalei os primeiros lances em livre, mas para agilizar passei o crux em artificial também, logo cheguei ao local onde o Jaca fazia minha segurança. Rebocamos minha mochila com água e o equipamento de conquista, assim que cheguei olhei para cima e pude visualizar uma enorme fenda, rapidamente peguei a ponta de corda e o resto dos equipos e toquei a segunda parte da conquista. Saindo da parada existe um lance fácil e depois de passar uma leve barriga é possível proteger com camalot 4 ou 5, depois desse lance você realmente entra de fenda e sobe em uma mistura linda de chaminé de meio corpo + off width, os lances não são difíceis, mas dão trabalho. Parei uma duas vezes lamentando não ter trazido o camalot 6, pela que podia ver de baixo não conseguiria mais proteger, e uma queda ali estava fora de cogitação. Continuei a conquista subindo com muito cuidado, fui tirando o que conseguia de mato e pedras soltas, nunca se sabe se alguma agarra pode quebrar.... Depois de 2 lances consegui uma colocação para o camalot 5 muito boa, ufffaaa, continuei tocando e imaginei que não conseguiria mais nenhuma proteção, eis que me surge uma colocação perfeita para camalot 3 bem no fundo da chaminé, ótimo!
Protegi e continuei conquistando, depois de alguns metros saí da chaminé e escalei um pequeno trecho com muito mato e terra, chegando a um belo platô! Perfeito, era ali que seria a P1, reboquei o material de conquista e logo fiz o primeiro furo com a ajuda da potente furadeira do Jacaré, bati o segundo bolt e pronto! Até ali a via não possuia nenhuma proteção fixa, apenas a parada. Olhei para cima para ver se conseguia visualizar uma possível continuação da via, mas me deparei com muito mato e ‘’arranha – gato’’, esse tipo de vegetação adora roupas sintéticas, cordas e tudo mais onde possam grudar! Montei a parada e dei seg para o Jacaré que logo chegou a parada e comemoramos a conquista! Uma linda linha e o melhor, toda em móvel, no melhor estilo de conquista. Faltava agora batizar a linda conquista, Jacaré disse que eu podia batizar, não pensei duas vezes, prestei minha mais sincera homenagem à pessoa que me introduziu no mundo da escalada e primeiro parceiro de Escalada! Seu nome era Ântonio Carlos Sabino, mais conhecido por TICO, esse grande amigo acabou falecendo há 2 anos atrás vítima de um trágico acidente de trabalho, então estava decidido, o nome seria ‘’Tico Marrento”, mas porque Marrento? Quem conheceu essa pessoa tinha essa primeira impressão, que o Tico era um cara emburrado, bravo e etc. Mas depois de algum tempo de convivência todos percebiam sua alegria e bom humor.
Após beber água e comemorações pensamos qual seria o tamanho da conquista até agora, após a minha descida a via ficou com aproximadamente 30 metros.
P1 da Tico Marrento

Rapelamos tentando limpar o máximo que conseguimos, tiramos muitas pedras soltas, mato e terra, muitaaa terra! Sem as devidas ferramentas deixamos a parede encordada para voltar no outro dia com a dura missão de limpar a via.
Acordamos no outro dia e logo chegamos à base da nova via, um bom jumareio de manhã cedo e logo estávamos na parada, iniciamos nossa descida com as devidas ferramentas: vassoura, pé de cabra e facão! Após um longo período pendurados ‘’demos um belo trato’’ na via, que agora estava um pouco mais limpa. De volta á base bebemos água e comemos algo, logo a cansaço reinou, relaxamos um pouco na sombra e fomos isolar a parte do artifical em livre. Jacaré entrou no lance e depois de muita ralação conseguir chegar até o platô, era minha vez, pensei poxa se o Jacaré passou mal para isolar o lance imagina eu! E lá fui eu, entrar na fenda é difícil, mas depois você ganha um pouco de altura e entala a mão e consegue subir bem o pé, de volta para chaminé mais um pé alto e segura em um bloco entalado, depois disso você estará no platô, ufffaaa passamos sem cair! O lance ficou simplesmente espetacular!
De volta ao chão conversamos sobre o grau, a saída deve ficar em algo entre 6º e 6º sup, mais um lance de quarto de grau até o início na chaminé que deve ser cotada em 5º grau!
Agora aguardamos a primeira repetição para confirmar o grau da via!
Para mim foi incrível conquistar essa via com um grande escalador, mais conquistas virão.
Boas escaladas!
Lucas Sato
Jacaré e Lucas no final da conquista


Segue vídeo da conquista abaixo.